O Super Bowl numa visão diferente

Não vou fazer um post sobre o jogo. Vou fazer uma coisa completamente bizarra, até. 
Passei a manhã e a tarde, lendo muitas notícias sobre o Super Bowl: a tônica foi exaltar o quarterback Tom Brady - muitas das vezes o chamando de "marido da Gisele" - , seus recordes e o show do intervalo.
O que eu disse se cumpriu: muita gente parou para ver o jogo no afã de ver Lady Gaga. Os elogios à apresentação da cantora é unânime. Se falar mal, você é taxado ou xingado por algum nome vulgar, para dizer o mínimo. E o que vou escrever em seguida, servirá para essa mulher também. 
Pela manhã, foi difícil aguentar os "Brady fans". E olha que não conheço muitos, mas sigo páginas onde eles brotam. A gente tem que "agradecer" o Falcons por terem perdido o esquema de jogo que começou tão bem e esperançoso e agora, torcedores dos outros 31 times da liga, tem de aguentar. 

Li à pouco, uma manchete de um site especializado em estatísticas da NFL dizendo que Brady é o maior quarterback de todos os tempos, e que é praticamente impossível contestar.
Nem preciso abrir o link para saber o porque usam a palavra "praticamente".  Eles vão, com toda certeza, mostrarem que hoje, ele é um atleta completo, porque teve mais "recursos" que jogadores antigos não tiveram: a saúde do atleta é balanceada com boa alimentação e exercícios de resistência, os hits estão "mais leves" e possuem mais proteção, os tempos são outros, as regras favorecem jogo fluido... Etc. 

A bizarrice que eu proponho é partir de duas premissas: uma delas é que o esporte é arte. Quer você goste de tênis, esportes à motor ou bocha, não importa, vamos exagerar: esporte é uma arte.
A segunda, é uma proposta acadêmica: se esporte estará sendo considerado "arte" vou usar dos meus estudos de mestrado para explorar uma ideia - a partir do Immanuel Kant em sua "Crítica à Faculdade do Juízo", sintetizarei um outro argumento do porque eu não acho que Tom Brady é o maior dos tempos, rebatendo a manchete do site que disse ser "praticamente impossível de contestar".
Explico:

Kant, neste livro supracitado, mostra que a faculdade do juízo de gosto é uma faculdade que não se rende ao juízo lógico de entediamento. Contradizendo o cânone do juízo crítico de que algo é bom e belo (ou seja, é agradável) baseado em explicações lógicas, ele propõe um outro fundamento, que eu chamo de "gosto é subjetivo": varia, de pessoa para pessoa.
Ao tratar de arte, ele propõe uma argumentação interessante ao longo de seu escrito: se a arte é boa, bela e apraz, ela não obedece leis ou princípios que a explique enquanto forma e conteúdo, nem mesmo, sua utilidade. Exemplo: 
Um quadro é bonito aos olhos de uma pessoa X. O X tem conhecimento sobre artes plásticas. Ele escreve um manifesto ou um crítica em um jornal, exaltando o quadro, as formas e as cores, a profundidade da mensagem visual, bem como a vida e carreira do pintor. 
Uma pessoa Y olha para o mesmo quadro. Sem nenhum conhecimento sobre o que motivou o pintor na obra, nem mesmo conhecendo artes plásticas, ele se emociona e se toca com a obra. Quando ele lê o manifesto do X, ele encontra toda a argumentação necessária para discutir com outros sobre o quadro. Ele chama uma pessoa Z, para ver o quadro e dizer o que sente. Ela não manifesta apreço. Ela até conhece minimamente de artes plásticas, mas simplesmente o que ela vê, não lhe causa arroubo. Não lhe causa nada. 
O X é o erudito que diz as pessoas "menos esclarecidas" o que é arte e o que não é arte. 
O Y é aquele, que no afã de definir sua emoção com aquilo que viu, procura convencer alguém. 
O Z é aquele que não enxerga nada de especial naquela obra, se vê forçado pelos dois outros, a criar uma emoção falsa, para se ver livre deles, muitas das vezes. 

Neste trio, o que Kant abraçaria sorridente, seria o Z. Você não precisa ser um conhecedor de algo para saber decidir o que lhe agrada ou não, como o X. Muito menos precisaria, não só conhecer sobre, mas tentar convencer os outros, a partir de princípios lógicos, o que é uma bela obra.
Arte é um juízo estético e não um juízo lógico refém do conhecimento.

O que acontece - toscamente, admito - na minha mente é isso. As pessoas usam de recursos estatísticos para endeusar e monumentalizar Brady: seus números são repetidos à plenos pulmões pelos seus admiradores e fãs do time. São mesmo, números absurdos, não podemos ser "cegos". 

Os três exemplos ali, o Sr. X, Sr. Y e Sr. Z são chamados de novo, dessa vez para assistirem ao Super Bowl de ontem. O Sr. X é aquele que acompanha NFL à 20 anos, assiste ao esporte desde criança, sabe todas as estatísticas e todas especificidades de jogadores, desde não sei que ano - conhece todos os hall of famers, MVPs, sabe as regras de cor e entende playbooks... Aí ele assiste o SB e senta-se no computador e posta  um "textão" em algum lugar - no seu site ou no site dos outros - exaltando com maestria toda genialidade de Brady. 
Brady e o pintor, para Kant, não são gênios. Genialidade é partir de uma coisa já pronta para produzir algo, ou seja, é usar do entendimento, produzir uma segunda coisa, para criar efeitos desejáveis quando pronta e sendo recepcionada por outras pessoas. Shakespeare não seria gênio para Kant. As pessoas conhecem suas frases e suas obras. Ele revolucionou o idioma inglês, com expressões e formas de escrita. Faz parte de uma cultura literárias grandiosa. Mas levar sua vida e suas obras ao crivo do entendimento, do conhecimento e portanto, da "genialidade", destrona o Shakespeare artista. Afinal de contas, quando se espera um resultado antes mesmo do fim, como se esse efeito fosse um teste – que ao ser produzido e reproduzido, resulta em algo conclusivo – este efeito não coincidiria com o da arte, até mesmo porque, como nos diz o autor, conhecer algo não implica habilidade para fazê-lo. Mas é preciso talento e isso é inegável. Por mais que se tenha o conhecimento de algo, se não tiver talento, uma arte não será produzida; para Kant então, o talento não revoga o resultado, mas se não tiver, ela não é sequer feita. 
O Sr. Y, começou a assistir NFL quando passeava pelos canais de esporte. Viu um jogo, ficou curioso e interessado. Assistiu o seguinte, com outros times. Era playoffs, e o New England Patriots vencia a final da AFC. Ele pouco entendeu o que aquilo significava, mas vendo uma passe de Brady para um grandão chamado Gronkowski na endzone, ficou maravilhado. Ele passa a semana toda lendo reportagens a respeito. Descobre que a equipe irá para o Super Bowl enfrentar um time de Seattle. Ele assiste ao jogo em êxtase e vê o Patriots vencer o tal jogo que tantos americanos adoram.
Sr. Y, acorda e vai para o trabalho na manhã seguinte, comenta com os colegas sobre o jogo e no intervalo do lanche, abre o Google encomenda uma jersey do "GOAT" Brady - não sem antes pesquisar no Google o que significa "GOAT". 
Ontem, ele ficou felicíssimo por ter visto mais um título do seu "time do coração".
Esse tipo é chamado por todo o resto, de "modinha". Mas baseando-se em Kant, podemos julgar se ele sentiu algo bom quando viu Brady em campo? Não, assim como não podemos julgar quem se apraz com a narrativa do livro Crepúsculo. Se serve à ela ou ele, quem somos nós para dizer que Bella e Edward são um casal sonso? Julgar não cabe nem à uma autoridade no assunto, nem ao mero relé. 
O vilão de toda essa lógica estapafúrdia da ditadura do que é bom e do que todo mundo comenta, é o Sr. Z, aquele que viu o jogo de ontem porque gosta do esporte e não acha, não achou e teme nunca achar Brady grande coisa. Simplesmente porque ele não não lhe serviu. É muito provável que ele goste de um Drew Brees, de um Ben Roethlisberger, ou tenha uma lista de cinco caras que ele acha bom mesmo; mas Brady, não é um deles.
É como uma pessoa ser fã de Heavy Metal, gostar de Metallica, Megadeath, Iron Maiden, Halloween, Sepultura, Black Sabbath e tantas outras, mas simplesmente achar pura e simples perda de tempo, ouvir qualquer coisa do Dream Theater. 
Como explicar isso? 
Não se explica, Kant diria, se estivesse aqui, enquanto eu digito esse texto e junto de vocês enquanto lêem. Simplesmente não se explica porque alguém gosta de filme dublado, embora eu ache uma coisa sem noção e gasto descabido de dinheiro. Eu posso dizer que é preguiça de ler e a pessoa dizer que é isso mesmo. Eu posso tentar fazer ela mudar de ideia, dizendo que o filme é mais rico quando não se tem dublagens deturpadas e que inclusive a interpretação coma voz original do ator, faz toda a diferença no momento de "viver" o filme. Eu posso tentar, mas se a pessoa simplesmente dizer não, eu tenho que ficar quieta. 
Não se explica porque eu gosto do Nightwish e mas não gosto de outra banda que tenha vocalista mulher. Não se explica porque alguém gosta mais de Jane Austen do que de Emile Brönte. Não se explica porque alguém ama pintores renascentistas, mas acha cubismo um lixo. Não se explica porque alguém espera mais de 1 hora e meia de uns caras com uma bola - que nem é uma bola em perfeita circunferência - para ver o show de 15 minutos de uma cantora que não adere em nada no curso evolutivo da humanidade: tudo que ela já fez, seja o pop grudento com muita sensualidade, seja as roupas e maquiagens estranhas, Madonna e Cindy Lauper já fizeram. 

Assim, por mais que forcem a barra do convencimento, não há como dizer para mim - mera relé - que Brady é melhor que Peyton Manning. Foi este aposentado que me trouxe a NFL e foi vendo ele jogar que apreciei o esporte. Não me importa números, não me importa recordes. Apenas gosto mais dele do que o "marido da Gisele".
E isso cabe para qualquer um, então, que tal fazer o exercício: parar de tentar convencer alguém de de que ele é um "deus", pois na realidade isso só tem utilidade para quem estuda os esquemas do esporte. Não tem vantagem alguma em convencer os outros  só para se dizer "eu sou o correto, porque as evidências não negam". Bobagem! No crivo do sentimento, o suscitar das paixões e emoções, se tornam algo como identidade, como impressão digital... 
Por acaso, todo mundo tem essas coisas iguais?

Comentem.
Abraços afáveis!


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